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ABEPSS se posiciona pela suspensão do calendário acadêmico no âmbito da graduação e da pós

24/04/2020

Associação também defende a imediata revogação da Emenda Constitucional 95; a educação como direito e não como negócio; a defesa do trabalho intelectual, docente e discente, com autonomia e condições de trabalho e a autonomia universitária com financiamento público

ABEPSS se posiciona pela suspensão do calendário acadêmico no âmbito da graduação e da pós

TRABALHO REMOTO EM TEMPOS DE PANDEMIA
Em defesa da Graduação e Pós-Graduação em Serviço Social

A Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS), com vistas a reafirmar a sua atuação coletiva e histórica na defesa de uma formação profissional e pesquisa crítica, que assegure o compromisso com os valores e princípios norteadores do Código de Ética Profissional da/o Assistente Social, ratifica as lutas pretéritas e presentes pela democracia, liberdades constitucionais, educação como direito e pela universidade pública, gratuita, laica, presencial, de qualidade e socialmente referenciada, na defesa da vida, da ciência e da produção de conhecimento.

A crise sanitária, política e econômica no contexto de pandemia provocada pelo coronavírus (Covid 19) têm evidenciado as mais profundas contradições da sociabilidade capitalista, ou seja, a concreta desigualdade social que reproduz injustiças e mortes. Em todo o planeta e em tempo real explicita o antagonismo entre a manutenção dos lucros e a defesa da vida, impondo decisões ético-políticas em todas as dimensões da vida em sociedade. Governos, instituições confrontam-se com a necessidade de explicitarem o sentido de sua existência: a vida ou manutenção dos superlucros? 

A política genocida que tem sido implementada no Brasil evidencia a ascensão do neofascismo, com respectivo obscurantismo e autoritarismo, reafirmando a prioridade dos interesses mercantis em relação à preservação da vida de todas/os, em especial do conjunto da classe trabalhadora, que é a que de fato encontra-se em piores condições biológicas, físicas, sociais, culturais e econômicas de garantir algum tipo de proteção, na medida em que, é a que menos tem condições de manter o distanciamento social, considerando que grande parcela desta encontra-se na informalidade, e, portanto, sem proteção social.

Desde o início do processo de distanciamento social no Brasil, recomendado pelas autoridades sanitárias com o objetivo de conter o avanço da Covid-19, as medidas ministeriais e as falas do ministro da Educação, Abraham Weintraub, sintonizado com a política do governo federal, vêm tentando afirmar uma ?nova normalidade? que camufla o crescente movimento de desqualificação da Educação Superior.  Ato expressivo deste movimento é a Portaria Ministerial do Ministério da Educação MEC nº 343, de 17 de março de 2020, que autorizou, em caráter excepcional, a substituição das disciplinas presenciais em andamento por aulas que utilizem meios e tecnologias de informação e comunicação por ensino à distância, exceto nos cursos de medicina, estágio obrigatório e disciplinas que exigem laboratórios.

A repercussão negativa em torno da Portaria com posicionamento contundente do Sindicato Nacional de Docentes ? ANDES e de diversas Associações, incluindo a ABEPSS criaram um quadro que espelha os embates centrais em torno da Educação Superior no país. A maioria das Universidades Públicas suspendeu o calendário letivo e vem desenvolvendo trabalho remoto apenas nas atividades administrativas e, as Universidades privadas e/ou confessionais vem implementando medidas para garantir o ensino remoto, aparentemente não imposto.

Este processo reflete as disputas em torno da coisa pública, e, da educação superior pública, em particular. A nova ofensiva já se explicitava no Relatório do Banco Mundial de 2017 no que se chamou de ?ajuste justo? propondo a revisão das despesas públicas no Brasil. No que se refere à Educação Superior o Relatório superficialmente identifica que ?Em média, um estudante em universidades públicas no Brasil custa de duas a três vezes mais que estudantes em universidades privadas. Entre 2013 e 2015, o custo médio anual por estudante em universidades privadas sem e com fins lucrativos foi de aproximadamente R$ 12.600 e R$ 14.850, respectivamente. Em universidades federais, a média foi de R$ 40.900.? (2017, p. 131). Daqui o Relatório infere análises como ?O alto custo por estudante das universidades públicas federais não se reflete em um maior valor agregado para os graduados em comparação com os graduados de outras universidades? (2017, p. 133). E apresenta algumas reformas supostamente ?necessárias?: 1)   Limitar os gastos por aluno aos níveis das universidades mais eficientes, leia-se privadas de modo que, as universidades que receberem menos recursos como resultado teriam de reconsiderar sua estrutura de custos e/ou buscar recursos em outras fontes, 2) A introdução de tarifas escolares, a exemplo o programa FIES, que oferece empréstimos estudantis para viabilizar o acesso a universidades privadas, deveria ser expandido para financiar o acesso a universidades federais.

Não é, pois, descolado deste quadro que o Ministro da Educação se manifestou no último dia 18/04/2020 a favor da volta às aulas, pela manutenção do ENEM, e pela premiação de Universidades que estão mantendo as atividades de ensino em caráter remoto. Segundo o Ministro, das universidades ?as que estão dando aulas receberão mais recursos e serão premiadas?. A pergunta central diante deste quadro é porque o ensino remoto e o trabalho remoto dele decorrente são as alternativas apresentadas para a Educação no contexto da pandemia? 

A ABEPSS entende que a resposta mais aparente refere-se à mistificação do ensino remoto, e, o trabalho docente remoto dele decorrentes, pois são tomados como um conjunto de atividades de ensino-aprendizagem diversificadas que podem incluir desde vídeo-aulas ou ensino online, como também atividades enviadas aos/às discentes, leitura de livros e, ou participação dos discentes nas lives educacionais, desconsiderando-se as condições objetivas de sua realização: 
 
1 - A reorganização da vida cotidiana, intensificada pelo distanciamento social, que atinge docentes e discentes e destes particularmente as mulheres.  Segundo a V Pesquisa Nacional de Perfil Socioeconômico e Cultural dos (as) Graduandos (as) das IFES ? 2018, em 1996, as mulheres eram 51,4% do corpo discente e, em 2018, ela são 54,6%. Este percentual ao ser mais aproximado com dados do Resumo Técnico da Educação Superior 2017 ? INEP identificamos entre os 20 maiores cursos de graduação em número de matrículas o Serviço Social em 13ª posição com 153.548, sendo deste total 90,1% sexo feminino. Quando observamos apenas os 14 cursos que possuem predominância feminina, o Serviço Social possui o mesmo percentual (90,1%) ocupando o 2º lugar. É preciso reconhecer o sobretrabalho das mulheres que já existia e que foi intensificado com a demanda com crianças, idosos/as e desempregados/as na gestão das famílias no quadro de distanciamento social!
 
2 - A exigência de internet e equipamentos de qualidade, que não é realidade para milhares de estudantes de origem popular, em sua maioria pretos/as e pardos/as, que hoje cursam as instituições públicas de educação. Segundo a V Pesquisa Nacional de Perfil Socioeconômico e Cultural dos(as) Graduandos (as) das IFES ? 2018, de 2003 a 2018 os pardos aumentaram sua participação entre estudantes e os pretos mais que dobraram. No que se refere à renda mensal familiar bruta nacionalmente 23,5% dos (as) estudantes estejam concentrados (as) na faixa de renda mensal familiar bruta ?Mais de 1 a 2 SM?, este percentual varia segundo as regiões do país. Três a cada 10 estudantes das regiões Norte e Nordeste, 31,7% e 28,2% respectivamente, têm renda mensal familiar bruta na faixa de ?Mais de 1 a 2 SM?, enquanto nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, a relação é de aproximadamente dois a cada 10 estudantes, 18,3%, 19,5% e 20,4% respectivamente. O percentual de estudantes com renda mensal familiar bruta de ?Até 3 SM? não se alterou de 2014 para 2018. São 50,9%, o que significa, em números absolutos, 473.215 estudantes em 2014 e 592.822, em 2018. Dividindo-se a renda mensal bruta do grupo familiar pelo número de membros da família, encontra-se a renda mensal per capita dos (as) discentes. O percentual de estudantes inseridos na faixa de renda mensal familiar per capita ?até 1 e meio SM? cresceu alcançando 70,2% do universo pesquisado. Do total dos estudantes, 26,6% vivem em famílias com renda familiar per capita de ?até meio SM? e 26,9% com renda per capita ?mais de meio a 1 SM?. Neste sentido, mais da metade (53,5%) dos (as) graduandos (as) pertence a famílias com renda mensal per capita ?até 1 SM?. Quando é analisada a distribuição por cor ou raça, dentro das faixas de renda, há um predomínio de negros (as) na faixa de renda per capita ?Até 1 e meio SM? (57,9%), enquanto 28,5% são negros (as) na faixa de renda per capita ?Mais de 3 SM?.

 
Também cabe observar que, conforme sinaliza Junqueira (2020), o deslocamento das atividades de ensino para o ambiente virtual nos confronta com questões referentes à segurança e à privacidade de docentes e discentes. A utilização dos serviços e aplicativos comerciais de comunicação como o Zoom, o Meet, o Hangouts e ambientes educacionais da empresa Google, trazem à tona a preocupação com o resguardo dos dados veiculados nestes ambientes. Não é desprezível a movimentação do Google e seus parceiros comerciais, por exemplo, na reativação de ?parcerias com secretarias de estado e prefeituras para oferecer pacotes tecnológicos com seus produtos (o Google for Education, que inclui o G Suite e o Google Sala de Aula)?. Identificamos também a constituição de diversos cursos de conteúdos pedagógicos e de treinamentos a educadores/as no país orientando como realizar atividades remotas para a educação básica e superior na perspectiva das chamadas ?boas práticas para aulas online?. Não podemos esquecer que este também é um nicho lucrativo!

A desconsideração das condições objetivas para o uso do ensino remoto e, o trabalho docente remoto dele decorrentes explicita, no entendimento da ABEPSS, um elemento epidérmico que tem seu fundamento na radicalização do projeto privatista de educação no país. Em outras palavras, o contexto do distanciamento social para enfrentamento do Covid-19, cria condições favoráveis para que estratégias afeitas para a desqualificação da educação como um direito assim como os direitos dos docentes, transformados em ?privilégios?, possam ser realizadas. 
 
Nestes termos a ABEPSS entende que é de fundamental importância não dissociarmos as ações movidas no momento atual tomadas pelo governo federal e expressas no Ministério da Educação, em que a preservação da vida deveria ser o foco, e não os interesses mercadológicos. Premiar agora a ?eficiência? no contexto da pandemia é reforçar o ataque frontal à educação superior pública, à ciência e uma exaltação das ações privatistas. 
 
Especificamente no âmbito da Pós-Graduação na área, a ABEPSS identificou junto aos 36 Programas de Pós Graduação, os principais impactos em suas atividades de ensino e pesquisa. No levantamento realizado foi possível obter resposta de 30 (83%) Programas, excetuando-se 02 Programas da região centro oeste, 02 da região leste e 02  da região nordeste.  

As respostas indicam que houve a adesão às recomendações de distanciamento social, ou seja, 100% de suas atividades não estão sendo realizadas de forma presencial. Com relação às atividades remotas, as respostas indicam que os Programas organizaram-se da seguinte forma: 13 (43%) suspensão do calendário com manutenção/e ou possibilidades de bancas e orientações; 04 (13%) com manutenção do calendário com aulas e demais atividades online, sem suspensão do calendário;  09 (30%) com suspensão de aulas, defesas e demais atividades de ensino e pesquisa; 01 com suspensão de aulas e adiamento das bancas, viabilizada pela Portaria Capes nº 36/2020 da CAPES, com data de 19/03/2020; 01 com suspensão de aulas e adiamento das bancas considerando o prazo de 60 dias e  a possibilidade de bancas remotas; 01 com suspensão das aulas com realização das bancas apenas de mestrados (24 meses); 01 com suspensão das aulas e realização das bancas com prazos a expirar.

As respostas, sobretudo as que indicam suspensão total das aulas e bancas, bem como as que indicam a manutenção do calendário acadêmico  com aulas e demais atividades de ensino e pesquisa por vias remotas, referem-se às decisões das respectivas reitorias ou instituições. Todas as respostas indicam a manutenção de orientações de dissertações e teses e, em menor número, indicam que o Programa enviou sugestões de leitura ou outras formas de atividades que são adotadas para que os discentes possam prosseguir com suas atividades científicas. 

O desfinanciamento da Pós-Graduação e limitações financeiras impostas aos Programas, existentes anteriormente à pandemia, já identificavam a utilização de TICs para realização de bancas, para a garantia de participantes externos ou em situações específicas, como problemas de saúde de convidados/as externos/as, analisando os prejuízos decorrentes ao processo de formação docente e discente. Indicam também, o uso dessas tecnologias em reuniões, orientações e algumas atividades de pesquisa. Nas orientações, essa utilização se restringia a situações em que o local de moradia somado às dificuldades financeiras dos discentes inviabiliza, muitas vezes, as orientações presenciais. 

A ABEPSS entende, em conformidade com o acúmulo teórico e político alcançado no interior da profissão ao longo de sua história que prima pela qualidade na formação, que o momento atual requer decisões acadêmico pedagógicas no âmbito dos Programas de Pós-Graduação da área, para que não haja dissociação entre a intensificação do trabalho remoto e a naturalização da racionalidade tecnológica associada aos interesses de mercantilização do Ensino Superior e da pesquisa. De forma preliminar, temos projetos pedagógicos na Pós-Graduação de natureza presencial que estão com docentes sendo requisitados/as e, ou, aderindo ao ensino em plataformas digitais, reduzindo o rito público de defesa das dissertações e de teses ao encontro online e limitado entre examinadores/as, orientadores/as e discentes.

Nos processos em curso, identificamos o aprofundamento da subsunção do trabalho docente à racionalidade instrumental, tanto na Graduação quanto na Pós-Graduação, igualando transmissão de informação ao processo de formação profissional. Consequentemente incide diretamente na qualidade do trabalho docente e na relação ensino-aprendizagem, na qual o discente torna-se mero receptor de conteúdos pré-definidos, precarizando ainda mais a formação profissional e a produção do conhecimento.

Diante da conjuntura desafiadora e excepcional com a qual nos confrontamos, é urgente unificar os procedimentos adotados com a firmeza do horizonte da defesa do projeto ético-político para que a perspectiva de educação crítica - espinha dorsal de nossos processos formativos ? não seja fragilizada pela indiferenciação quanto ao uso de tecnologias remotas que reforcem e endossem o discurso e a prática ultraliberal de mercantilização do ensino. 

Assim, a ABEPSS, reconhecendo a justificável necessidade de se garantir o distanciamento social, considerando as experiências em curso vivenciadas nos cursos de Graduação e Pós-Graduação, os resultados da ?Pesquisa sobre o perfil discente de pós-graduação em Serviço Social?, o posicionamento público da Associação sobre ?Os impactos da pandemia da COVID-19 (coronavírus) e as medidas para a Educação?, sobre a revogação da Portaria nº 034/2020 ? CAPES, sobre a revogação imediata da Portaria nº 1.122/2020 ? MCTIC e sobre suspensão do estágio supervisionado no período de distanciamento social para o combate ao novo coronavírus (Covid-19), expressa o posicionamento pela suspensão do calendário acadêmico, no âmbito da graduação e da pós-graduação, considerando a excepcionalidade que vivenciamos em face do Covid-19 e as lutas que estão atravessando a educação de qualidade no país, ao mesmo tempo nos posicionamos pela: 
 
 
Brasília (DF), 23 de abril de 2020.

Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social
Gestão ?Resistir e avançar, na ousadia de lutar!?

 
Referências

BANCO MUNDIAL (2017). Um ajuste justo: análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil. Grupo Banco Mundial.

JUNQUEIRA, Eduardo S.  Vigilância em tempos de educação a distância, 31 de março de 2020. Disponível em: https://outraspalavras.net/tecnologiaemdisputa/vigilancia-em-tempos-de-educacao-a-distancia/ Acesso em: 22/04/2020.

INEP. Resumo Técnico da educação Superior 2017. Disponível em: http://portal.inep.gov.br/web/guest/resumos-tecnicos1. Acesso em: 20/04/2020.
FONAPRACE (2019).V Pesquisa Nacional de Perfil Socioeconômico e Cultural dos (as) Graduandos (as) das IFES ? 2018. Disponível em www.andifes.org.br. Acesso em: 20/04/2020.
 
 

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