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As cotas na pós-graduação: orientações da ABEPSS para o avanço do debate

31/07/2017

As políticas afirmativas devem se desenvolver nas Instituições de Ensino Superior públicas e privadas, desconstruindo práticas que por séculos reproduzem o racismo institucional

As cotas na pós-graduação: orientações da ABEPSS para o avanço do debate

AS COTAS NA PÓS-GRADUAÇÃO: ORIENTAÇÕES DA ABEPSS PARA O AVANÇO DO DEBATE¹

Tendo em vista o compromisso ético-político e acadêmico-histórico da ABEPSS e a consonante defesa dos princípios profissionais, com a defesa da superação de todas as formas de exploração e opressões. Com o entendimento de que a questão étnico-racial não pode ser compreendida e tratada de forma desvinculada dos processos de produção e reprodução da vida social, tomamos como pressuposto que “o racismo não é apenas um problema ético, uma categoria jurídica ou um dado psicológico. O racismo é uma relação social, que se estrutura política e economicamente” (ALMEIDA, 2016, p. 23). A ABEPSS assume a posição de orientação às unidades formadoras em relação às cotas na Pós-Graduação em Serviço Social. ²

Apoia-se ainda no fato de que na história da nossa formação social, particularmente no que diz respeito às relações raciais brasileiras, as suas particularidades histórico-sociais ganharam contornos próprios dimensionando as expressões da questão social.

As particularidades destas implicações político-sociais para os descendentes dos povos escravizados no Brasil, além de reconhecidas, não devem ser desprezadas. As marcas do racismo revelam-se nas variadas pesquisas e indicadores sociais, como se pode observar:
 
Em 2009, “das cerca de 11 milhões de famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família [...], em todo o país, cerca de 7,3 milhões de famílias tinham por titular pessoas de cor ou raça [preta] [...] e parda” (PAIXÃO, et al., 2010, p. 133). Pesquisa do IBGE (2011, p. 53) aponta que nas taxas de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais de idade, “tanto pretos (14,4%) quanto pardos (13,0%) mostram um percentual de analfabetismo quase três vezes maior do que o dos brancos (5,9%)”. Assim, pobreza e não acesso a educação expressam implicações sociais que atingem diretamente a classe trabalhadora negra desse país. 

Os dados do censo do IBGE (2011) contabilizaram em 2010 uma população brasileira superior a 190 milhões de habitantes. As informações relativas aos números de brasileiros(as) por curso mais elevado concluído na área da educação revelam a desigualdade racial enquanto uma marca das relações raciais no Brasil. No nível mais elementar do ensino fundamental e faixa etária adequada há certo equilíbrio com 51% de negros(as), 47,6% de brancos(as) e 1,4% de amarelos(as)/indígenas. “Segundo o censo, em 2000 apenas 1,7% da população brasileira frequentava o ensino superior (0,7% da população negra e 2,5% da população branca). Em 2010, embora a frequência bruta tenha aumentado (3,3% da população), a desigualdade persiste (2,3% negros – 4,3% brancos)”, (SILVA, 2013, p.20). 

Quanto maior o nível de escolaridade, mais visível é a desigualdade. Em relação aos cursos de mestrado e doutorado há que se destacar que 80,7% dos estudantes neste nível é branca, 17,1% é negra e 2,2% corresponde aos grupos populacionais amarelos e indígenas (SILVA, 2013).

Diante da complexidade das relações raciais no Brasil, profundamente desiguais, a aprovação de ações afirmativas no âmbito da pós-graduação é uma medida importante, de caráter reparatório, frente às atrocidades cometidas contra a população negra. As ações afirmativas são definidas como um conjunto de medidas legais e políticas que tem por objetivo eliminar as diversas formas de discriminação que cerceiam as oportunidades de determinados grupos na sociedade. O que se aplica em relação às cotas no nível de pós-graduação ao possibilitar a aplicação de medidas que permitam evitar que a discriminação racial ocorra no momento do acesso e durante a permanência deste grupo na universidade.

O debate sobre a questão étnico-racial e as ações visando à erradicação do racismo e da discriminação racial é uma tarefa de toda sociedade, na medida em que a luta contra o racismo é o esteio da luta anticapitalista. Isso porque “o racismo é uma ideologia que sustenta a exploração capitalista” (BORGES, 2016, p. 49).

As políticas afirmativas devem se desenvolver nas Instituições de Ensino Superior públicas e privadas, desconstruindo práticas que por séculos reproduzem o racismo institucional. Diante da realidade de desigualdades étnico-raciais a posição da ABEPSS se justifica pela necessidade de democratizar todas as modalidades de ensino e pesquisa no país. Esse posicionamento toma ainda como referência o pressuposto de que a democratização do ensino de pós-graduação em Serviço Social deve assegurar tanto a ampliação do acesso e da permanência com qualidade como a ampliação dos espaços de participação e tomadas de decisão coletivas, de modo a garantir uma universidade pública, universal, gratuita, democrática, presencial, laica e de qualidade. 

Dos 34 Programas de Pós-Graduação na área do Serviço Social³ em funcionamento, somente dois possuem cotas étnico-raciais (UERJ e UNIFESP) e dois aprovaram cotas para o edital de seleção para 2018 (UnB e UFES). Isso evidencia a necessidade de travarmos essa discussão no interior dos nossos PPG’s e nos fóruns da ABEPSS, no sentido da aprovação das cotas nos cursos de mestrado e doutorado. 

Nessa direção a ABEPSS faz a indicação de que todos os PPG’s da área de Serviço Social qualifiquem os dados acerca do público que majoritariamente preenche as vagas nos cursos de mestrado e doutorado com o objetivo de compreender a intrínseca relação entre raça e classe, que impõe barreiras ao acesso e permanência de negros(as) na pós-graduação. Essas informações poderão contribuir ainda, para a ampliação do debate e da produção sobre a questão racial hoje, ainda bastante silenciada. 
 
1) Ação deliberada no planejamento da gestão “Quem é de luta, resiste!” (biênio 2017-2018) com a proposição de criação da Comissão de Trabalho sobre cotas articulada ao GTP que trata da questão. O grupo se debruçou na elaboração desse documento inicial, no primeiro semestre de 2017, com o objetivo de fomentar a discussão sobre cotas nos PPG’s da área. A Comissão Temporária de Trabalho (CTT) contou com as seguintes membras:Márcia Campos Eurico (PUC-SP), Suellen Cruz (UFES), Tereza Cristina Santos Martins (UFS) e João Paulo Valdo (UFF/Niterói). Documento aprovado na executiva nacional da ABEPSS em julho de 2017.
 
2) Tanto a ABEPSS, a partir de deliberação na Assembleia Ordinária da entidade na ocasião do ENPESS de 2014, sobre a incorporação da temática de gênero, raça/etnia e sexualidades na formação profissional do Serviço Social, como o conjunto CFESS/CRESS, que deliberou no Encontro Nacional de 2010 sobre a posição favorável da categoria às políticas afirmativas, conformam posicionamentos coletivos que reforçam essas assertivas.
 
3) Dos 34 programas de pós-graduação hoje em funcionamento, dois são de Economia Doméstica e 32 são de Serviço Social, nesse universo há 18 cursos de doutorado (PUC/RS, PUC/SP, PUC/Rio, UFMA, UFRJ, UFPE, UnB, UNESP, UERJ, UFPE, UFF, FUFPI, UFES, UFV, UEL, UFSC, UCPel, UFRN e UFPA) e 34 cursos de mestrado, todos cursos acadêmicos (CAPES, 2016).

Referências Bibliográficas:

ALMEIDA, S. L. Dossiê Marxismo e Questão Racial. Margem esquerda. Artigo. Revista Boitempo, número 27. São Paulo. Outubro de 2016.

BORGES, R. Feminismos negros e marxismo: quem deve a quem? Margem esquerda. Artigo. Revista Boitempo, número 27. São Paulo. Outubro de 2016.

BRASIL. Ministério da Educação. Documento de Área. Serviço Social. CAPES, 2016. Disponível em http://www.capes.gov.br/images/documentos/Documentos_de_area_2017/32_SSOC_docarea_2016.pdf . Acesso em 22 de julho de 2017.

IBGE. Indicadores Sociais Municipais: uma análise dos resultados do universo do censo demográfico 2010. Rio de Janeiro, 2011. 

PAIXÃO, M. et al. (Orgs.). Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil; 2009-2010. Rio de Janeiro: Garamond, 2010.

SILVA, T. D. Panorama social da população negra. In: Igualdade racial no Brasil: reflexões no Ano Internacional dos Afrodescendentes. SILVA, T. D.; GOES, F. L. (Orgs.). Brasília: Ipea, 2013. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/livros/livro_igualdade_racialbrasil01.pdf. Acesso em 12 de julho de 2017.

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