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ABEPSS no Mês da Luta das Mulheres: em entrevistas, mulheres negras falam dos desafios na pandemia

22/03/2021

Além das duas entrevistadas dessa semana, Associação ouviu outras mulheres que estão na luta feminista, já publicou uma matéria na semana passada, e publicará o restante do material na próxima semana

Março é o Mês Internacional da Mulher e para tratar de questões urgentes para a luta feminista no Brasil, a ABEPSS ouviu mulheres que estão na linha de frente da luta por direitos. Entre as pautas tratadas, está o maior impacto que calamidades como a pandemia de Covid-19 têm nas vidas das mulheres negras brasileiras, o que é agravado por um governo que promove ataques às conquistas feministas históricas e que nega qualquer avanço nos direitos das mulheres brasileiras.
 
De acordo com Luciene Lacerda, psicóloga, feminista negra, e doutoranda em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o cenário atual de lutas é desafiador, uma vez que, no período da pandemia, as mulheres estão sobrecarregadas no cuidado ao outro. Elas são maioria nos serviços de saúde e muitas delas são mulheres negras atuando nos serviços gerais e de limpeza nas unidades de atendimento.
 
“Elas nem sempre são consideradas como profissionais da área de saúde, mas embora não sejam formadas na área, na prática estão cuidando da limpeza e atuam na saúde. Falamos o tempo todo de cuidado, de limpeza e de higienização e nestes setores o trabalho delas é imprescindível, mas são elas, geralmente terceirizadas, as primeiras a serem demitidas. Em um cenário de alta do desemprego, nós, mulheres negras, somos a maioria das desempregadas”, disse.
 
Luciene Lacerda também é membro da coordenação de Ações Feministas do Instituto Búzios e do Fórum Estadual de Mulheres Negras do Rio de Janeiro, participa da Coalizão Negra pelos Direitos e criou e integra a Coordenação da Campanha de 21 Dias de Ativismo contra o Racismo. Ela lembra que as mulheres negras também são maioria entre as trabalhadoras domésticas que não tiverem salário mantido para ficar em casa para se protegerem e para protegerem suas famílias contra a pandemia.
 
“O problema é que na maior parte das situações ou aconteceu demissão ou então obrigaram essas mulheres a trabalhar. Lembrando que a primeira pessoa que pegou Covid-19 e morreu no Brasil foi uma empregada doméstica negra, de patrões que vieram doentes do exterior e não tiveram o cuidado necessário”, pontuou.
 
Viver
 
A luta neste momento, explica Luciene Lacerda, é para que as mulheres se mantenham vivas. E a ameaça não é apenas o vírus. Ela lembra que o isolamento também fez com que aumentasse a frequência da violência doméstica, da violência contra as crianças. A sobrecarga de trabalho, o cuidado de fazer a comida e limpar a própria casa, de cuidar das crianças, de fazer a higienização para prevenir a Covid-19. Tudo isso se somou com a angústia da situação atual, o que atinge também a saúde mental das mulheres.
 
“Estamos num momento em que as deputadas negras e transexuais estão sofrendo ameaças. Há uma ascensão do fascismo e o machismo é reforçado pelo presidente da República e por seus seguidores. Vivemos um momento em que é difícil ir às ruas protestar, exigir um auxílio emergencial digno, principalmente quando a gente tem uma comorbidade, algo comum para as mulheres negras que sofrem com diabetes e hipertensão, por exemplo. Estamos num tempo de sobreviver à politica do ódio e à devastação que a pandemia está fazendo. Podemos fazer isso por meio da empatia e da manutenção da luta por outras vias, porque ela é absolutamente necessária”, defendeu.
 
Acesso
 
Numa perspectiva semelhante, Nilbemara Simplício, que integra o “Coletivo Negra”, da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA), e é graduada e licenciada em Educação do Campo, lembra que situação das mulheres quilombolas neste contexto é ainda mais agravada. Isso fica explícito na dificuldade de acesso a políticas públicas nas áreas da saúde, educação e cultura.
 
“O acesso continua distante, apesar das nossas lutas, apesar da nossa dedicação e do nosso trabalho. As comunidades quilombolas permanecem em desigualdade social. Por mais que tenhamos empenho e alguns avanços, ainda não conseguimos chegar muito longe. A situação de vulnerabilidade e de invisibilidade dessas mulheres é uma realidade em grande parte das comunidades”, explicou.
 
Nilbemara Simplício acrescenta, entretanto, que a luta não pode ser interrompida e acredita que é possível avançar e conquistar bons resultados por meio da união das mulheres. “Precisamos avançar, precisamos de novos resultados. Nesse Mês Internacional da Mulher, quero deixar uma reflexão para as companheiras de luta e para as que queiram se juntar a nós: precisamos nos unir e lutar de mãos dadas em busca de mudanças. Essa é a única maneira de avançarmos na conquista de direitos e na defesa das nossas vidas”.
 
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