Notícias

PL em tramitação na Câmara ameaça controle da sociedade sobre pesquisas científicas com humanos

17/08/2022

Caso o PL 7082/2017 seja aprovado, haverá o comprometimento da liberdade de seleção e diversidade na composição e na regulamentação da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep)

Um Projeto de Lei (PL 7082/2017) que tramita na Câmara Federal ameaça o controle social da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) que trata de pesquisas científicas com seres humanos. Na prática, caso o PL seja aprovado, o Comitê será desvinculado da representação da sociedade que é o Conselho Nacional de Saúde (CNS). Uma vez que isso ocorra, a subordinação será ao Ministério da Saúde, expondo as decisões sobre ética em pesquisas aos interesses de governos e políticos.

Essa é mais uma ação que visa esvaziar os meios de controle social das políticas públicas, sabotando um Conselho que funciona como espaço democrático, participativo e de partilha de poder que contribui para equilibrar as decisões considerando os interesses da sociedade brasileira.

Na prática, caso de PL 7082/2017 seja aprovado, haverá o comprometimento da liberdade de seleção e diversidade na composição e na regulamentação da Conep. De acordo com Juliana Iglesias Melim, professora do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), integrante da Direção Nacional da Abepss, apesar do PL tratar das pesquisas clínicas com seres humanos, que é o maior interesse do mercado e da indústria farmacêutica, a Conep tem na atualidade uma concepção muito mais ampliada.

“A Comissão compreende que a pesquisa com seres humanos é muito mais ampla do que pesquisa clínica. A Conep reúne representantes de diferentes áreas do conhecimento e seus debates e regulamentações precisam respeitar as particularidades do fazer científico de cada uma dessas áreas. Isso quer dizer que a ética em pesquisa com seres humanos extrapola as pesquisas da medicina e da farmacologia, porém o PL desconsidera completamente as demais áreas”, explicou.

Medicamentos

Juliana ressalta, ainda, outro ponto que considera preocupante: “poderá haver restrições no direito de acessar os medicamentos que os participantes da pesquisa ajudaram a desenvolver. Direito que hoje é garantido e que o PL pretende restringir. É importante dizer aqui que os participantes das pesquisas não são objetos. São sujeitos. Sujeitos fundamentais para os processos de descobertas científicas que possam possibilitar avanços no direito à saúde e à qualidade de vida”.

A professora faz o alerta de que, apesar de o CNS estar mobilizando suas entidades que organizam os usuários e trabalhadores da saúde, é preciso ampliar a mobilização na defesa da Conep e do controle social. “Não precisamos desse PL! Precisamos fortalecer a Conep e seus avanços, como um espaço democrático, autônomo e independente. Fortalecer a Comissão é fortalecer o Conselho Nacional de Saúde (CNS), o controle social, o SUS e a vida. A Conep é nossa. Nossa defesa é a da produção de conhecimento como bem público e não como mercadoria”.

Quem também alerta para os riscos do PL 7082/2017 é a própria coordenadora da Conep, Lais Alves de Souza Bonilha. Ela explica que a Conep é uma das Comissões Intersetoriais do CNS sob a proteção do Controle Social. “Isso significa que, hoje, todas as mudanças a serem feitas na Conep, quer seja na composição dos seus membros, quer seja na regulamentação da análise da ética em pesquisa com seres humanos no país, são apreciadas e votadas, obrigatoriamente, pelas/os conselheiras/os do CNS, representantes da sociedade organizada. Há autonomia e liberdade em sua atuação, pois, independentemente das prioridades e da influência de qualquer governo, ou de gestores que ocupem cargos no governo, os interesses da sociedade é que orientarão o trabalho da Conep, comunicando-se por meio das entidades representantes dos usuários, das/os trabalhadoras/es, entidades científicas e de formação profissional, da gestão e de prestadores de serviço”.

Interesse social

Lais, que também é professora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), conselheira do CNS e coordenadora da Associação Brasileira de Ensino em Fisioterapia (Abenfisio), acrescenta que, caso a Conep passe a integrar uma secretaria dentro do Ministério da Saúde, ela perderá a garantia de atuar de acordo com os interesses sociais e ficará sob a governabilidade dos gestores que venham a ocupar cargos.

“Não conheço grupos que se posicionem e argumentem em defesa do PL 7082/2017, pois é projeto de lei desconhecido pela maior parte da população, inclusive entre os pesquisadores e entidades representantes dos usuários do SUS, a maioria dos participantes de pesquisa. Para identificarmos outros interesses, precisaremos, antes, difundir amplamente o conteúdo do PL, para conhecer quais são os grupos e os argumentos que têm em sua defesa. Recentemente apresentei o PL na reunião ordinária do CNS, e dentre todas as entidades conselheiras, apenas uma delas não apresentou críticas ao PL 7082/2017. O próprio CNS já se posicionou contra o Projeto de Lei”, disse.

Para barrar a aprovação do PL, Laís explica que está sendo ampliada a divulgação sobre a sua existência e sobre o seu conteúdo. Isso está sendo feito dentro das universidades, centros de pesquisas, eventos científicos, entidades representantes de usuários com doenças crônicas e doenças raras, entre outros.

“A medida é necessária para que as pessoas tenham conhecimento e possam se pronunciar quanto à pouca pertinência do PL para o contexto atual da pesquisa no Brasil. As pessoas e entidades representativas se comunicarão com seus representantes na Câmara e no Senado afirmando a escolha da sociedade brasileira quanto à defesa do sistema CEPs/Conep para a condução da análise da ética em pesquisa com seres humanos no país. Essa não é uma questão de interesse exclusivo dos pesquisadores, da indústria farmacêutica e outros grupos envolvidos em pesquisa, mas de toda a sociedade brasileira”, concluiu

Voltar