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Violência institucional e disseminação do ódio contra pessoas LGBTQIA+

30/03/2022

A abordagem truculenta a gays em parques públicos escancara a LGBTQIA+fobia no Brasil. É preciso lembrar que o combate a todas as formas de opressão deve ser compromisso da/os assistente social e que a profissão e a formação na área têm papel importante a desempenhar no combate à LGBTQIA+fobia

A ABEPSS repudia o tratamento dado a dois rapazes homossexuais pela segurança do Parque Zé Bolo Flô, em Cuiabá, Mato Grosso, no dia 20 de março. É importante salientar que este não foi um caso isolado, mas a expressão da LGBTQIA+fobia institucionalizada em todo o país. Utilizando como pretexto impedir que os dois praticassem ato sexual no local, os seguranças do parque agiram com truculência e violência, ameaçando atirar em um dos rapazes, imobilizando-os sem roupa e fazendo imagens com o intuito de ridicularizá-los, divulgando os vídeos nas redes sociais.

Para um exercício de reflexão cabem algumas perguntas: 1) se fosse um casal heterossexual na mesma situação o procedimento seria o mesmo?; 2) é razoável ameaçar e promover o linchamento de uma pessoa porque ela é suspeita de transar?

A professora do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), Bruna Irineu, explica que o lugar da sexualidade LGBTQIA+ sempre foi o do segredo, do medo, relacionado ao perigo, ao escondido. Essa característica é resultado da chamada “política do armário” que se materializa também em grandes esforços por parte das pessoas LGBTQIA+ para serem aceitas por suas famílias, no ciclo social e no trabalho ao não assumir sua orientação sexual de forma pública.

“A nossa sexualidade tem uma relação forte com o armário, com a dificuldade de se assumir em uma sociedade LGBTQIA+fóbica. Sobre o caso de Cuiabá, é preciso entender por um viés que não seja moralista. A grande questão não é se havia uma cena de sexo ou não, um ato libidinoso. A segurança do Parque agiu com violência, truculência, antes mesmo de chamar a polícia. Filmou as pessoas sem roupa, colocou nas redes sociais. Isso leva a situação para o campo da humilhação, da vergonha, que são sentimentos opostos àquilo que batalhamos enquanto movimento social que é a saída do lugar da humilhação para o lugar de orgulho”, disse.

Ataque à comunidade

Bruna Irineu, que já integrou a diretoria da ABEPSS, acrescenta que o ataque não foi só aos rapazes, mas a toda a comunidade LGBTQIA+, uma vez que é uma forma de dizer que estas sexualidades são vergonhosas, perigosas, e devem ser impedidas. “Nos desumanizam. E publicizar imagens dos jovens com corpo nu, com intuito de humilhar, e disseminar isso para as redes objetiva nos coloca no lugar exclusivo de corpos que transam. Sim, somos corpos que transam, mas também somos corpos que fazem muitas outras coisas, inclusive lutar por direitos e cidadania”.

Ela ressalta que a abordagem da segurança é que precisa ser destacada como ponto forte deste debate e não se os rapazes iriam transar, evitando a armadilha da moralização da situação. “Fica evidente que as pessoas LGBTQIA+ têm tratamento diferenciado com relação a heterossexuais, enfrentando truculência, exposição e humilhação. Quantas situações conhecemos de heterossexuais transando em locais públicos? Essas pessoas não tiveram o mesmo tratamento dados aos rapazes”.

O ataque a toda população LGBTQIA+ também é evidenciado “quando as imagens em questão vêm à tona às vésperas da votação de um projeto de lei que proíbe materiais didáticos, segundo vereadores conservadores, contendo manifestação da ideologia de gênero”, completa a pesquisadora.

Armadilha

A professora Bruna Irineu publicou uma série de cards no Instagram com o título “Os gays de respeito e as bichas safadas”. Nas peças, ela chama a atenção da comunidade alertando que os defensores da moral e dos bons costumes nunca estiveram do lado das pessoas LGBTQIA+ e que é necessário atenção para não se comprar o discurso dos conservadores, especialmente em tempos de disseminação de ódio à comunidade. Ou seja, todas as pessoas que têm um compromisso com a defesa dos direitos humanos devem estar atentas para não cair nessa armadilha.

Ela alerta que “a defesa da moral e dos bons costumes sempre foi o principal argumento contra pessoas LGBTQIA+, desde o período da Constituinte, na década de 1980“, resultando em um Estado que nega até hoje legislações que protejam a comunidade, uma vez que as garantias que existem foram conquistadas através da judicialização desses direitos, ao contrário de países como Chile, Argentina e Uruguai que têm ao menos uma lei de proteção à população LGBTQIA+ aprovada em âmbito Legislativo. “O discurso de ‘dar-se o respeito’ é usado por aqueles que são contra a nossa existência, para justificar seu ódio contra nossa comunidade e para não nos garantir direitos”, conclui a professora.

Clique aqui e confira a postagem da professora Bruna Irineu.

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