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Assistentes sociais enfrentam diariamente os processos capitalistas que precarizam a vida

14/05/2022

No dia da/o assistente social (15 de maio), é preciso orgulhar-se destas/es profissionais compromissadas/os com um novo projeto societário, livre de exploração, opressão de classe, raça, etnia e gênero

A atuação e a formação de assistentes sociais acontecem na atualidade em meio a desafios que se agigantam. Desde a catástrofe humana da pandemia até as políticas ultraneoliberais implementadas pelo atual governo, as/os profissionais do Serviço Social atuam em meio a desafios enormes, em um cenário de ampliação acelerada da pobreza, fome e desmonte generalizado das políticas públicas conquistadas após décadas de lutas. Diante deste cenário, é preciso estar nas linhas de frente da luta contra as causas da pobreza tendo sempre em mente as implicações da questão social na crise atual.

A professora Yolanda Guerra, assistente social e docente do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), lembra que o mundo vive uma conjuntura complexa e contraditória. Ela ressalta, contudo, que crises no capitalismo são recorrentes e que é necessário observar que trata-se de uma crise estrutural de todo o sistema do capital.

“Interpretá-la é sempre um risco, mas um risco necessário, sobretudo, para uma profissão de natureza interventiva. Nós, assistentes sociais, não desejamos nem podemos apenas analisar a realidade. Temos que intervir, tanto como homens e mulheres que fazem a história (na nossa dimensão humano-genérica), quanto como profissionais (na nossa particularidade). Por isso é importante entender que a conjuntura pandêmica aprofundou as múltiplas determinações da crise estrutural do capital. No caso do Brasil, nossa herança escravocrata, autocrática, nossas dependência e subordinação aos países capitalistas mais desenvolvidos, nosso patriarcalismo, racismo estrutural, a brutal concentração de renda, dentre tantas outras particularidades, conduzem a um tipo particular de enfrentamento destas situações: à base da repressão, da filantropia e dos arranjos e conciliações”, explicou.

Pobreza naturalizada

Yolanda Guerra, que também é coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre os Fundamentos do Serviço Social na Contemporaneidade-NEFSSC, e ex-coordenadora Nacional de Pós-Graduação da Abepss, lembra que no Brasil a pobreza é naturalizada, de um lado, e criminalizada, de outro. “Então é mais do que necessário buscarmos os fundamentos explicativos da pobreza para entendermos que a questão da pobreza é inerente ao capitalismo. O capitalismo tem que gerar a pobreza, se manter e se alimentar dela. É essa a contradição central dessa sociedade que não pode ser atribuída às conjunturas, sejam elas pandêmicas ou não. É essa contradição central que põe a existência do que temos chamado de questão social”, defendeu.

Para a professora, a atuação de assistentes sociais demanda uma prévia, rigorosa e consistente análise da conjuntura e do contexto institucional, identificando as determinações e contradições da realidade. Além disso, é preciso acionar outras profissões, forças e movimentos, que partilhem da mesma perspectiva que o Serviço Social, lembrando que é preciso buscar dados sobre a realidade.

“Não me refiro apenas à pesquisa acadêmica. Falo das várias formas de geração de conhecimento sobre a realidade, sobre a sociedade, sobre a profissão. Nunca tivemos tanto acesso às informações, mas temos também dificuldade de interpretá-las. Nos falta um método de análise da realidade que tem que ser utilizado no nosso cotidiano: como eu leio a instituição, seus objetivos, sua hierarquia, a correlação de forças, as fontes de financiamento ou a ausência delas, as requisições institucionais. O Serviço Social muda, está mudando, e está mudado. Contudo, o que permanece é sua  direção social radicalmente critica. Em vários sentidos, especialmente, no que concerne às condições e relações de trabalho, a profissão tem se modificado. Muitas vezes essas mudanças passam ao largo do nosso conhecimento, da nossa pesquisa. Como enfrentar essa realidade? Eu diria que com um método de análise, com uma teoria que permita interpretar as contradições da realidade e identificar as possibilidades da mesma, com uma boa capacidade de articulação, de negociação, de identificar aliados (dentre os quais, alianças com os sujeitos das políticas sociais, os movimentos sociais,  e outros trabalhadores e trabalhadoras) em várias instâncias político-organizativas”, disse.

À beira da barbárie

Para a assistente social Adiliane Batista, representante de supervisores de campo da Abepss Nordeste, nesta conjuntura, o trabalho profissional exige a compreensão de que a crise é social, econômica e política e tem se expressado no aumento do desemprego, do trabalho sem direitos, da violência e de várias mazelas sociais, que por sua vez, são expressões da questão social em sua forma mais agudizada.

“Este modelo tem sido aprofundado por um governo, que desde 2019, adota uma agenda ultraliberal e neoconservadora, inaugurando no país um modelo de sociedade que beira à barbárie. É neste contexto que grande parte da categoria de assistentes sociais é convocada para atuar, no atendimento às camadas sociais mais expostas à situação de pobreza e miserabilidade. Neste cenário caótico, é imprescindível à/ao assistente social uma leitura crítica, responsabilidade ética, busca por respostas concretas às demandas imediatas, articulação com os movimentos sociais e escuta da população, como alguns dos caminhos para uma intervenção profissional qualificada”, defendeu.

Adiliane Batista acrescenta que a ausência de compromisso do Estado ultraneoliberal com políticas públicas que respondam às demandas das classes trabalhadoras mais precarizadas contribui para vulnerabilizar e subalternizar alguns grupos sociais. “Um posicionamento crítico sobre esse processo é indispensável para que o assistente social não individualize, nem culpabilize os sujeitos pelas condições de vida extremas em que se encontram. É preciso pensar a intervenção profissional do planejamento à avaliação institucional, atuando preventivamente, produzindo conhecimento e construindo respostas e frentes que viabilizem o acesso a direitos. E é necessário que o trabalho profissional seja mediado pelo projeto ético-político do Serviço Social, o que pressupõe amplo conhecimento dos marcos legais elaborados pelas entidades da profissão”.

Educação

A Educação é uma das áreas diretamente atingidas pelos ataques do bolsonarismo aos direitos sociais da população e o governo tem como aliados diversos grupos econômicos poderosos interessados em drenar os recursos públicos para ampliar seus lucros atuando na área. A professora Yolanda Guerra lembra que, mais do que aliados, este governo tem como sócios majoritários representantes do grande capital. “Bolsonaro não governa. Ele tem um papel de dispersar a atenção com seu diversionismo, enquanto a boiada do agronegócio, a bancada do capital financeiro, a indústria da religião, os empresários da educação, milicianos e militares, vão se locupletando. O que esperar de um pais que ainda hoje tem 11 milhões de analfabetos e cerca de 29% da sua população com dificuldades para ler textos e aplicar conceitos de matemática?”.

No Serviço Social, segundo a professora, o impacto é sentido nas dimensões do trabalho, da formação e da produção de conhecimento. “Acertamos quando passamos a analisar a profissão nessa perspectiva de totalidade. Nessa concepção não se pensa a formação senão nessa tríade. Não é casual que a precarização da formação e a precarização do trabalho de assistentes sociais no Brasil caminhem juntas e misturadas. A degradação das condições de trabalho profissional chegou ao auge em meados dos anos 2000, quando formas de contratação de assistentes sociais nas políticas publicas passam a ser terceirizadas. Também que em meados de 2000, empresários da educação passam a operar na Bolsa de Valores”.

Para a professora, é preciso conhecer a formação por dentro: dominar a lógica das diretrizes curriculares, conhecer seus núcleos de fundamentação, superar a tendência de autonomização e fragmentação do conhecimento e disciplinas, buscar afirmar a direção social estratégica e a perspectiva da ontologia do ser social como base ou fundamento. Com isso, é possível proteger o projeto de universidade pública, gratuita, de qualidade e socialmente referenciada.

“Isso requer da nossa entidade um trabalho de buscar aliados em docentes, discentes, supervisores de estágio, no pessoal técnico-administrativo. Dentre as ações, considero que o projeto Abepss Itinerante é o carro chefe desse trabalho de base na defesa das diretrizes no cotidiano da formação. No âmbito externo, são as articulações políticas que fazemos com outras associações acadêmicas (nacionais e internacionais), frentes e fóruns em defesa da educação, de uma universidade vigorosa, fértil, com financiamento próprio e capaz de garantir sua autonomia, laicidade e gestão democrática, espaço de trabalho e de formação integral, humanista e crítica e de produção de conhecimento que tenha relevância social”, ressaltou.

Formação em Serviço Social

Yolanda Guerra adverte que, plagiando Brecht, “não aceiteis o que é de hábito como coisa natural” e que “nada pode parecer natural”. Ela se refere à pandemia que foi o laboratório para a ampliação do ensino e trabalho remotos, flexíveis, aligeirados, considerando o caráter eminentemente emergencial. “Está em curso uma tendência de tomar o emergencial como permanente, visto que as modalidades remotas ou à distância (do tipo teletrabalho, home office, ou ensino virtual, remoto) reduzem drasticamente os custos com o trabalho/formação e desvia para os sujeitos (discentes e docentes) a responsabilidade e o ônus da mesma. Com isso atinge o coração da formação de algumas profissões, em especial, a do Serviço Social. O Serviço Social e a Abepss têm muito a contribuir na construção de um projeto de educação ontologicamente fundado”.

Para Adiliane Batista, representante de supervisores de campo da Abepss Nordeste, na formação em Serviço Social os ataques se apresentam no adensamento da precarização do ensino de graduação presencial e à distância. “Esta conjuntura vem exigindo uma organização dos sujeitos com ações mais assertivas na defesa da formação e trabalho profissional em Serviço Social. É neste sentido, que defendemos o fortalecimento e a organização coletiva do conjunto Cfess-Cress, Abepss e Enesso, bem como de outras entidades que defendem a educação enquanto direito, como espaços que, por excelência, realizam um trabalho de análise da realidade e conjuntura e que se constitui como subsídio essencial para a construção de ações e enfrentamentos. Particularmente, no que diz respeito à política de educação e seus desdobramentos para a formação na atualidade, as ações das entidades se inserem na perspectiva do fortalecimento do movimento de resistência à mercantilização da educação superior”.

Ela acrescenta que a defesa da postura crítica e reflexiva, em que o Serviço Social se colocou há mais de 40 anos, também perpassa a defesa das Diretrizes Curriculares do Serviço Social e o fortalecimento dos projetos político pedagógicos que estabelecem a formação crítica como prerrogativa para um exercício profissional de qualidade. “Por isso a formação em Serviço Social precisa estar fundamentada no tripé ensino, pesquisa e extensão, e na defesa que estudantes tenham totais condições de acesso a uma universidade pública, estatal, laica e de qualidade. O processo de ataques à educação aponta para o tamanho da luta e da resistência que precisam ser travadas. Engrossar os fóruns de educação, as mobilizações e os movimentos paredistas das entidades de classe, os atos de rua em defesa da educação são estratégias que precisam ser retomadas urgentemente pelos defensores da educação pública deste país, com vistas à proteção de uma educação socialmente referenciada e que afirme um projeto classista para o país”, concluiu.

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