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Direitos negados e exclusão digital precarizam a vida de pessoas idosas

30/09/2021

“Contrarreformas” retiram recursos da Seguridade Social e mudanças na gestão e no acesso a atendimentos e benefícios, migrados para ambientes online, provocam exclusão imediata das pessoas idosas

Os impactos do envelhecimento na vida das pessoas vão além de questões relacionadas à saúde. Na semana em que são lembradas duas datas relacionadas à esta temática (27 de setembro: Dia Nacional da Pessoa Idosa; e 1 de outubro: Dia Mundial da Pessoa Idosa), é importante refletir sobre a situação da população idosa no Brasil. As “contrarreformas” neoliberais em curso no Brasil agravam a exclusão das pessoas idosas desde o acesso aos lugares até aos benefícios e serviços a que têm direito. A migração dos atendimentos para ambientes online, acelerada em decorrência da pandemia, acentua ainda mais o problema que, aliado ao desmonte das políticas públicas e redução dos benefícios, coloca as pessoas idosas brasileiras em situação de vulnerabilidade, muitas vezes extrema, negando a esta população o direito a uma vida com autonomia e ao respeito às relações que estabelecem com o mundo.

A professora Nanci Soares, do Departamento de Serviço Social do campus de Franca da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social do Campus de Franca, explica que são muitos os impactos do envelhecimento no acesso a direitos e na exclusão das pessoas idosas nas mais diversas áreas. “Há uma ‘nova cultura’ de compreensão dos direitos sociais e das políticas sociais, que visa dividir responsabilidades sociais no trato das refrações da questão social com a família, com a comunidade, com a sociedade e com o Estado, e que legitimam e incentivam as ações de organizações não governamentais na execução da política social. Observamos o fortalecimento do sistema privado, da Saúde e da Previdência, incentivados pelo Governo. Uma parcela populacional assume estes gastos, entretanto, outra parcela não tem condições e limita-se ao uso do sistema público”.

A professora lembra que 60% das pessoas idosas só tem acesso a serviços de saúde por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). “Com a falta de investimentos por parte do Estado, as pessoas idosas ficam sem assistência, com atendimentos precários ou aguardando atendimento nas filas. Assim, nos deparamos com uma conjuntura em que, por um lado há o crescimento do setor privado, e por outro o (des)financiamento do SUS, comprometendo o acesso aos serviços, principalmente para a população idosa vulnerável”.
 
Pandemia

Nanci Soares, que também é líder do Grupo de Pesquisa e Estudo “Envelhecimento, Politicas Públicas e Sociedade” e coordenadora da Universidade Aberta à Terceira Idade (Unati/Unesp/Franca), chama a atenção para os impactos da pandemia na política de Assistente Social, em especial nas demandas de cuidado com a pessoa idosa em situação de vulnerabilidade e risco social integrantes de famílias que não possuem condições para manter a pessoa idosa no próprio domicílio.

“Muitas vezes, essa famílias optam pelas Instituições de Longa Permanência (ILPIs). Na cidade de Franca-SP, as instituições estão atendendo além de sua capacidade, e com demanda reprimida. A lista de pessoas idosas em situação de vulnerabilidade e risco social aguardando vaga para ILPIs é numerosa. Algumas chegam ao óbito sem conseguir vaga. É preciso também apontar que, desde 1990, há sucessivas manobras de desmonte dos direitos sociais conquistados. É importante salientar que a seguridade social, vem sofrendo ataques, como privatizações e descentralizações das funções estatais, e o Estado vem retirando recurso, desviando receitas de impostos e contribuições sociais que financiam a Seguridade Social”, disse.

A professora reforça que as reformas da previdência trouxeram consequências nefastas para a classe trabalhadora, com grande retrocesso dos direitos conquistados na Constituição Federal de 1988, principalmente para a população idosa. “É muito importante nesse cenário de avanço do ideário neoliberal a mobilização nacional, a resistência, contra estas reformas, pois elas trazem prejuízos aos trabalhadores e às trabalhadoras”.
 
Contrarreformas

A professora do Departamento de Política Social e Serviço Social Aplicado da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Silvina Galizia, alerta para o mesmo problema e explica que a lógica da dinâmica de “contrarreformas” neoliberais da Previdência Social brasileira permite que recursos financeiros da Seguridade Social sejam utilizados mais livremente, na verdade uma retirada de recursos da área social e utilizada para pagar juros.

“Através da DRU (Desvinculação da Receita da União), os governos retiram parte do orçamento da Seguridade Social (atualmente 30%) para outros fins, especialmente pagamento de juros da dívida pública através da composição do superávit primário. Além disso, o governo favorece a ampliação da presença do sistema privado de pensões (Fundos de Pensão) e a previdência complementar. Os sucessivos governos neoliberais brasileiros, aliados a fortes grupos econômicos financeiros, foram propondo mudanças no sistema previdenciário que, necessariamente, vão precarizando a previdência púbica e incentivando o setor de trabalhadores melhor posicionado no mercado de trabalho para os investimentos financeiros”, disse.

Para alcançar estes objetivos, a idade e tempo de contribuição dos trabalhadores foram aumentadas, houve criação de tetos e ampliação de condicionamentos para alcançar benefícios, ampliação da arrecadação através de inclusões precárias, e impulsionamento dos Fundos de Pensão. É o que explica a professora Silvina Glizia, que também é coordenadora do projeto de extensão “Assessoria via Extensão Universitária” (ESS/UFRJ-INSS).

“Assim, todas as ‘reformas’ sofridas pelo sistema (1998, com Fernando Henrique Cardoso; 2003, com Lula; 2015, com Dilma; e 2019, com Temer/Bolsonaro), têm como resultados a diminuição e precarização dos benefícios e auxílios, uma maior dificuldade para acessá-los e, portanto, redução de direitos historicamente adquiridos. Estas reformulações terão efeitos muito negativos na vida das/os trabalhadoras/es no médio e no longo prazo”, disse.
 
Acesso negado

Ela ressalta que também há efeitos imediatos para trabalhadoras/es aposentadas/os idosas/os, com reestruturações e ajustes que as/os atingem agora e diretamente. São reformulações na gestão, administração e atendimento aos trabalhadores aposentados e beneficiários do Benefício de Prestação Continuada (BPC), programa assistencial (Loas, 1993), gestionado pelo INSS.

“As ‘contrarreformas’ do sistema vêm acompanhadas de mudanças na infraestrutura, operacionalização e utilização dos recursos humanos. Estas mudanças respondem ao objetivo institucional de ajustar financeiramente as instituições públicas nas áreas de políticas sociais, precarizando as estruturas físicas e não aumentando e/ou renovando o conjunto de servidores/funcionários da área administrativa e profissional (como as/os assistentes sociais), entre outros. Isto impacta diretamente na estrutura e dinâmica dos atendimentos. Foi implantado, desde 2017, o atendimento virtual por meio de dois canais: o telefone 135 e o INSS Digital . Para fazer uso destes recursos, é preciso ter linha telefônica, internet, computador e/ou celular e eventualmente scanner, especialmente quando se trata de envio de documentação. Se em algumas ocasiões os idosos precisavam de auxílio nos atendimentos presenciais, podemos supor o aumento exponencial de dificuldade e maior assistência que precisarão num atendimento virtual”.

Por fim, a professora Silvina Glizia lembra que as tecnológicas de acesso contribuem para reduzir a quantidade de atendimentos presenciais e, portanto, diminuem o deslocamento, uma medida importante durante a pandemia. Mas as mudanças afastam quase que completamente os aposentados idosos que não têm condições materiais e pessoais de acesso a estes recursos tecnológicos.

“Assim, dificultam-se os atendimentos em geral e os direcionados ao Serviço Social, em particular. O atendimento virtual impõe sérias limitações ao cumprimento das atribuições e competências profissionais. Não há possibilidades de realizar nenhum trabalho multidisciplinar, nem de socialização de informações, os atendimentos ficam reduzidos ou truncados e as avaliações sociais ficam muito prejudicadas, entre outras. Tudo isto resulta no afastamento dos trabalhadores aposentados dos atendimentos e, portanto, na negação do cumprimento de mais um direito social”, concluiu.

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