Notícias

Formação em Serviço Social pode contribuir para que a profissão avance mais na luta antirracista

25/01/2023

A Revolta dos Malês, que completa 188 anos em 2023, foi uma experiência positiva de articulação da população negra no Brasil e que teve a identidade étnica como laço de fraternidade que unia as pessoas. O objetivo era a tomada do poder político e religioso

Um marco na luta histórica da população negra no Brasil, a Revolta dos Malês, iniciada em 25 de janeiro de 1835, na Bahia, foi estrategicamente articulada, forjada e politizada entre pessoas de diferentes religiões, como mulçumanos e adeptos do culto aos orixás, libertas e escravizadas, e de diferentes origens geográficas na África. Elas/es vislumbravam a possibilidade de uma tomada de poder político e religioso das mãos da população branca.

É o que explica Juliana Marta Santos de Oliveira, assistente social e coordenadora de Ações Afirmativas, Educação e Diversidade da Universidade Federal da Bahia (UFBA). “Alguns historiadores apontam que ‘os Malês’, por serem uma população já com acesso à escrita e leitura naquela época, principalmente de textos religiosos muçulmanos, poderiam ter ciência da revolução acontecida no Haiti, onde a população escravizada se rebelou e instituiu o fim da escravidão e a liberdade do país da colônia. Esta seria a fonte de inspiração para a revolta dos Malês”. 

A assistente social ressalta que a Revolta dos Malês foi uma experiência positiva de articulação da população negra no Brasil, que “mesmo distinta por religião (mulçumanas/os e adeptas/os do culto aos orixás), e com diferentes origens geográficas no continente africano, vinda de Luanda, Benguela, Cabinda e do Golfo do Benin, teve na etnia a convergência que a vinculava à luta por melhores condições de vida. O laço de fraternidade que as/os unia era a identidade étnica – eram africanos! A revolta vislumbrava uma tomada de poder político e religioso”.

Violência

A resposta do Estado Brasileiro foi dura e violenta. No intuito de apagar qualquer semente que a Revolta dos Malês pudesse ter mantido, houve marginalização, perseguição e criação de legislação contra as religiões de origem africanas e seus adeptos, permitindo incursões nas suas casas e templos e confisco de materiais religiosos. De acordo com Juliana Marta Santos de Oliveira, o objetivo era dominar o país política e religiosamente numa perspectiva eurocentrada.

“A revolta dos Malês é tão importante como uma luta histórica da  população negra, que é objeto de  músicas e poemas de blocos afro, como no trecho de Levante de Sabres, de Guellwar Adum e Môa do Catendê, composta em 2002: ‘Levante de Sabres ... a noite caiu (a noite da glória talvez). Na hora da verdade de grandes sábios males, com fúrias e sonhos na tez, 1835 voltas do mundo malê. O sonho tão belo foi subtraído, mas ressoa no coro majestoso ilê, por toda cidade vitorioso’”, exemplificou Juliana.

Formação

A formação em Serviço Social pode contribuir para que a profissão avance mais na luta antirracista e na garantia de direitos para a população negra do país. Para tanto, o hiato entre as bases teóricas da profissão e as requisições da população negra só pode ser superado quando a categoria profissional redirecionar o seu processo de formação.

“É preciso implementar uma reestruturação curricular, a reativação das discussões, a implementação dos objetivos formativos em torno dos conceitos descritos nos Parâmetros Curriculares Mínimos da Abepss, de 1996. E também reoxigenar as discussões do GT – 06, da mesma entidade, implementando normativas e recomendações acerca da consolidação dos temas elencados; e fomentar a discussão nos âmbitos das IFES, com apoio das comissões temáticas de raça e etnia dos CRESS”, defendeu a assistente social.

Para Juliana Marta Santos de Oliveira, é preciso que haja um novo processo de reconceituação do Serviço Social, que em outro período histórico contextualizou as práticas profissionais e fomentou a instrumentalização da profissão às necessidades da conjuntura brasileira.

“Agora redirecionando suas forças para o combate ao racismo e toda forma de discriminação, consolidando dentro da categoria – entidades, teóricos e profissionais – a implementação de perspectivas mais contextualizadas com a sua população demandatária, direcionando um processo formativo que se debruce a compreender o processo de consolidação societária brasileira, em torno do que a Lei nº 10.639 institui acerca do ensino da História Africana e Afro-brasileira, possibilitando construções que permitam a análise sob a perspectiva marxista e entenda que ela também tentou e tenta consolidar arcabouço teórico para interagir e analisar as desigualdades advindas da diferença racial”, disse.

Legislações

A coordenadora de Ações Afirmativas, Educação e Diversidade da UFBA acrescenta que é importante consolidar as bandeiras de luta implementadas pela população e movimento negros organizados, em torno das pautas e legislações que abordam as questões étnico-raciais, como a Declaração de Durban (2001); o Estatuto da Igualdade Racial, Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010; as diretrizes do Plano Nacional de Educação – PNE; o Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana; entre outras.

“Com isso estaremos subsidiando e construindo alicerces para a implementação de cursos de graduação que imprimam um currículo e uma formação profissional a partir de uma visão multirreferenciada e centrada em dimensões políticas e éticas transversalizadas pelas categorias étnico-raciais e de gênero”, concluiu.

Voltar