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Abepss reafirma seu compromisso com a luta pela universalidade e participação social no SUS

05/08/2022

Diante dos ataques bolsonaristas às políticas públicas, é preciso defender a saúde contra a mercantilização e o avanço dos grupos privados sobre o fundo público

A saúde sempre foi alvo do capitalismo que age para transformá-la em mercadoria. Esse movimento ganha ainda mais força no Brasil com o governo Bolsonaro e suas políticas reacionárias e ultraneoliberais. A exacerbação nesse processo fica exposta por meio dos mecanismos cada vez mais latentes de mercantilização da saúde.

De acordo com Debora Lopes de Oliveira, assistente social e professora da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), há uma aceleração das políticas de austeridade, que atingem as políticas sociais, e da contrarreforma da saúde, com uma submissão total ao mercado. “O resultado é o processo que estamos observando. A interrupção de políticas públicas, como no âmbito da saúde mental, e uma crise no acesso a medicamentos. Essa contrarreforma incide diretamente nas conquistas em relação aos direitos das/os trabalhadoras/es. Há cortes de recursos na atenção básica e um estreitamento na relação com o sistema privado, não apenas na transferência do fundo público para serviços, mas também para treinamento e formação”.

Debora Lopes de Oliveira, que também é integrante do Fórum de Saúde do Rio de Janeiro e do Projeto de Extensão da Uerj “Pela Saúde”, ressalta que o Brasil está submetido a um governo ultraneoliberal e neofascista que promove uma política que não deslumbra a vida, mas a morte. Isso ficou ainda mais evidenciado com a normalização da pandemia e as ações governamentais em relação a ela. O impacto no SUS foi muito grande, criando uma demanda reprimida por conta de um período em que o sistema ficou quase que exclusivamente voltado para o atendimento a pacientes de Covid-19. Apesar disso, não há investimento suficiente para que a população tenha acesso agora aos atendimentos que ficaram represados.

“Nossa resposta é sempre tardia. E não é planejada, embora o SUS tenha acumulado expertise desde a sua implementação, com as lutas sociais. E isso não se dá meramente por esforço da gestão, mas também pela mobilização dos movimentos sociais. Acumulamos ações, experiências e políticas que poderiam nos ajudar na antecipação às emergências. Embora não se possa prever tudo, podemos estar organizados para emergências em saúde pública. Os serviços precisam estar organizados e estruturados nacionalmente. Há uma ausência do Governo Federal na resposta da saúde pública às emergências. Não temos uma política de informação em saúde para a população. Os movimentos são desarticulados”, disse.

Varíola dos macacos

Ela acrescenta que, no caso da chamada varíola dos macacos, há muita desorganização e não é feita uma sinalização para a população sobre quais ações estão sendo feitas, quais serviços podem receber os casos suspeitos, entre outras informações. “E por outro lado há um esvaziamento dos fóruns de controle social, como os conselhos. Eles estão sendo cerceados e submetidos a uma burocratização para manipulações políticas de governos locais. O papel do Conselho Nacional de Saúde (CNS), por exemplo, foi fundamental na pandemia de covid-19. Muitas ações foram deflagradas pelo CNS que mobilizou forças e os movimentos sociais”.

A saúde precisa ser pensada de maneira ampliada e por isso é importante agregar outros sujeitos, como os fóruns, que possam politizar o debate de luta contra a privatização da saúde, pensando a área para além do adoecimento. Questões ambientais e trabalhistas, por exemplo, também impactam diretamente a saúde das pessoas.

“Precisamos retomar os princípios da reforma sanitária. Os trabalhadores do SUS e do Serviço Social precisam lutar pela universalidade, participação social, e protagonismo das/os trabalhadoras/es no SUS, para que as demandas das/os usuárias/os sejam incorporadas como necessidades de saúde. Ficamos sempre na emergência e há uma dificuldade de dar conta do essencial. Precisamos pautar essas questões. A contribuição do Serviço Social precisa ser no sentido de trazer essa pauta na relação com os usuários, de maneira educativa, abrindo espaços de forma mais democrática para pensar as ações de forma mais coletiva a partir da realidade das/os usuárias/os. E também com outros profissionais de saúde. Nosso trabalho se dá no coletivo”, explicou Debora.

Formação

A professora lembra, contudo, que as condições de trabalho para assistentes sociais estão difíceis, com vínculos frágeis que interferem na organização dos serviços e na forma como os usuários são atendidos no SUS. “Precisamos incorporar essas questões na formação. Essa proposta mais ampliada deve ser colocada na formação, seja a partir das disciplinas, seja de uma forma mais transversal, e também nos estágios. Não é uma temática só do trabalhador que atua na saúde. Temos que trazer essas discussão e essas reflexões para a graduação, para os programas de pós-graduação. O aluno só vai saber o que é o SUS quando vai ter o primeiro trabalho na saúde pública. Na pós-graduação e nas residências isso também ocorre. Temos que mudar essa realidade”.

O Serviço Social tem um importante papel nas políticas sociais, em especial, na política de saúde, no sentido de garantir direitos de acesso, tratamento e garantia da saúde da população brasileira nesse contexto. De acordo com a professora da graduação e da pós-graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Tocantins (UFT) Vanda Micheli Burginski, por ser uma profissão que tem compromisso ético-político em defesa dos interesses da classe trabalhadora, a profissão se insere nos processos de trabalho em saúde, no sentido de concretizar o atendimento de qualidade.

“No âmbito da formação e da atuação profissional é importante reafirmar a transversalidade dos conteúdos acerca da determinação social da saúde, das lutas sociais e dos projetos societários, pois a saúde é uma estratégia importante de transformação social e deve estar vinculada aos processos de formação política da sociedade. É necessário restaurar as lutas sociais da saúde; os conteúdos de oposição à saúde enquanto mercadoria e fonte de lucros; a defesa da universalidade e da estatização da saúde e da alocação exclusiva de recursos públicos para sua ampliação e qualidade”, defendeu.
 
Mercadoria

Vanda Micheli Burginski, que também compõe a coordenação nacional do GTP Movimentos Sociais e Serviço Social da Abepss, lembra que no processo de desenvolvimento e expansão do capitalismo no Brasil, a saúde se constituiu como mercadoria e importante fonte de lucros para o capital.  “A criação do SUS foi marcada por intensas contradições e só foi possível mediante a organização e pressões políticas de diversos setores populares, com destaque para o movimento de reforma sanitária, que em seus primórdios, empreendeu uma oposição à saúde enquanto mercadoria; em defesa da estatização da saúde e da alocação exclusiva de recursos públicos para a ampliação dos serviços prestados”.

Ela ressalta, entretanto, que o SUS, desde sua implementação, passou por processos econômicos, políticos, gerenciais e financeiros que o descaracterizaram enquanto política verdadeiramente universal, estatal e pública, sendo a privatização da saúde uma das faces mais perversas. “Essa realidade se aprofundou desde o golpe midiático-jurídico-parlamentar de 2016, mediante a aprovação da Emenda Constitucional Nº 95/2016, que estabeleceu o congelamento de despesas primárias dos governos com todas as políticas sociais por 20 anos. Além das contrarreformas trabalhista, previdenciária e da lei de terceirizações que ampliaram os ataques contra a política de Seguridade Social. No atual governo ocorre o aprofundamento dos processos de privatização da saúde e de regressões em todas as políticas sociais, que em pleno contexto de pandemia da Covid-19 intensificaram a tragédia da fome, do racismo e do patriarcado estruturais, do desemprego, da inflação, do aumento dos despejos urbanos e rurais e de violações dos direitos humanos”.

Epidemias

Nas ultimas três décadas, destaca a professora, surgiram epidemias em todo o mundo: Ebola, Gripe Aviária, surto de SARS, H1N1, entre outras. E, mais recentemente, ainda no contexto da pandemia da Covid-19, houve o ressurgimento da chamada varíola dos macacos, agora uma emergência global de saúde pública. “Há diversos estudos e pesquisas que lançam a hipótese de que o aparecimento de epidemias e pandemias tende a se tornar mais frequente devido às diversas transformações em relação à natureza, propiciadas por uma devastadora expansão e crise do capital. Serão epidemias e pandemias gestadas no e pelo capitalismo. A pandemia da Covid-19 evidenciou a extrema importância de um sistema de saúde público, estatal, gratuito e com qualidade. O SUS salvou vidas. Contudo, o atual governo foi obstáculo a essas ações por meio de seu projeto ultraneoliberal, com traços neofascistas, que intensificou medidas privatistas de total submissão do SUS ao mercado e, por fim contrariando medidas e recomendações de órgãos como a Organização Mundial da Saúde (OMS)”.
 

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